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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O Golpe (Completo)

Segue o conto completo para que não tiver paciência de ir link por link.
Toca o telefone na redação. Atendo.
- Registro Alternativo, Miguel, boa noite.
- Vai haver um golpe amanhã!
Penso em desligar. Deve ser um trote. É comum recebermos ligações de todo o estado com informações escandalosas. Mas como o jornal está quase pronto e já defini as manchetes da edição que vai para cada catarinense amanhã decido continuar a conversa.
- Com quem estou falando?
- Não posso dizer meu nome, seria preso por isso. Mas te afirmo e garanto que os militares, com o apoio do Supremo Tribunal Federal, vão promover um golpe amanhã, tudo esta sendo feito silenciosamente. Amanhã, cada chefe de executivo será anulado e um militar será colocado em seu lugar. Isso vai acontecer no Brasil inteiro.
- Certo. Me diga como isso é possível e como você saberia disso?
- Porque fui o único ministro que não aceitou isso. Miguel entenda bem, já liguei para outras redações, mas não acreditaram em mim. Estou sendo ameaçado por não aprovar isso. Tive que tirar minha família do país.
A porta do meu escritório abre. Três militares entram. Um alto e magro, um mediano e careca, outro baixinho e com um tom mais severo.
- Mas o que é isso? (Grito com minha secretária) Como entram assim em minha sala.
- Não precisamos de autorização para entrar aqui. (Rebate o baixinho, que deve ser o militar de maior cargo entre os três).
Nessa hora vejo que o telefonema era verdadeiro. Lembro que ele ainda está na linha. Penso rápido e volto ao meu contato anônimo.
- Senhor. Entendo a preocupação com o seu filho e como forma de ajudar a achá-lo, peço que me envie mais informações sobre ele com todos os detalhes. Mande tudo para o e-mail
editorchefe@registroalternativo.com.br junto com seu telefone para que eu poça contatar o senhor, no caso de precisar de mais detalhes. Um forte abraço e lhe desejo muita sorte. Garanto que sua família poderá se unir mais uma vez em breve.
O que será que os militares vieram fazer aqui? Desligo o telefone com um certo receio de que os militares possam ter desconfiado de alguma coisa.
Olho sério para os intrusos e antes que possam me dirigir a palavra eu o faço.
- Então, qual o motivo dessa visita? Estamos longe do 7 de setembro para termos militares marchando por aí.
- Escute bem senhor, isso aqui não é uma brincadeira. Temos um assunto sério para tratar com o senhor.
A forma rude e direta do baixinho me impressiona, mas pelo menos vejo em seus olhos de que não desconfiam da ligação que recebi e me avisava sobre o que eles queriam..
- Então, se é tão sério, sentem-se para conversarmos.
- Senhor..
- Miguel, por favor.
- Senhor (Repete fortemente), chegou aos nossos informantes que um anônimo vem ligando para as redações alarmando de um possível golpe militar no dia de amanhã. É claro que tal baixaria não passa de uma brincadeira sem graça e que põe em dúvida o nosso comprometimento com esta nação. Por isso, juntamente com meus companheiros, estamos visitando as redações para saber se este contato foi feito e também, quando o telefonema foi recebido, se foi possível identificar o anônimo.
- Para falar a verdade, recebi sim um telefonema assim há 15 minutos. Se viessem antes ainda o pegariam na linha, mas não costumo dar bola para esses trotes e desliguei. Sobre o anônimo posso lhe disser que era homem e tinha a voz vibrante, nada mais.
O seu olhar sobre mim foi aterrorizante, nesse momento percebi o quão sério era o assunto e decidi que levaria a pauta adiante. Como vou fazer isso terei que descobrir mais tarde.
Após uma pausa de olhares o militar me olha com certo sarcasmo e fala.
- Certo, mas por precaução, obtivemos esta liminar (O soldado alto me apresentou o documento) para manter dois vigilantes nesta redação, a fim de que esta mentira não seja motivo de problemas futuros com este jornal. Ficando claro esse ponto, deixarei aqui o soldado Marinho e o sargento Souza. Souza ficará em sua sala e vai instalar uma escuta em seu telefone para o caso do anônimo voltar a ligar. Marinho ficará passeando na redação a fim de conhecer melhor este trabalho, seu sonho é de ser um militar-jornalista.
Sabia que a posição dos dois era estratégica. Um evitaria que eu recebesse qualquer ligação e dessa forma me privaria de ordens para meus subordinados. O outro poria medo nos meus repórteres. Eles não diriam isso diretamente, mas todos entenderiam.
- Bem, se tratando de uma ordem judicial terei que acatar, mas deixo claro que acionarei imediatamente os advogados do jornal para tirar seus capachos de minha redação. A censura que isto significa é ultrajante.
- Senhor, queria deixar claro também, que a liminar impede o senhor de publicar qualquer informação sobre esta intervenção. O não cumprimento deste fator poderá ocasionar na sua prisão e em multa ao jornal. Isso era tudo, agora tenho outros jornais a visitar, boa noite.
Quando Souza começa a instalar a escuta e Marinho parte para a redação os repórteres começam a se agitar. A maior parte deles não gosta de militares.
- Amigos (Digo em voz alta para todos), hoje teremos a companhia de dois militares. Este é Souza, ele veio me assessorar com alguns futuros problemas em meu telefone. E este é Marinho, ele gostaria de conhecer um pouco da nossa profissão, então ficará conosco passeando pela redação. Peço que lhes deem a devida atenção.
Dizendo isso volto para minha sala, agora preciso esperar o e-mail e pensar em uma forma de despistar Souza.
Chega uma mensagem nova, justamente a que eu esperava.

“Caro Miguel, segue os dados.
- O golpe será realizado amanhã, às 12 horas.
- Envolve militares, entre eles Exército, Marinha e Aeronáutica.
- Eles têm o apoio do presidente do STF que convenceu os outros ministros.
- Os soldados estão autorizados a usar a força.
- Tudo está autorizado por liminares do STF.
- Meu contato é 8776-3190
- O objetivo do golpe é derrubar todos os chefes de executivo, fechar o Senado, as Câmaras Municipais, Estaduais e Federal. Dando assim o poder na esfera nacional ao presidente do STF, Rubens Dergamethu, e nas outras esferas aos militares, que também controlariam o Senado e a Câmara Federal, composta exclusivamente por militares.
- O povo não saberia de nada até tudo estar no seu lugar, dando a chance de o novo governo plantar uma mentira para iludir a nação. O que planejam para fazer isso eu não sei.
Grato com sua atenção. Aguardo uma atitude de sua parte, a qual não obtive dos outros jornais. Sei que isso pode ser complicado a você, percebi que os militares já foram lhe visitar, mas não vejo outra alternativa para evitar este ultraje a nossa nação.”


Se tudo o que o ministro escreveu for verdade podemos estar perto de uma nova ditadura, mas dessa vez mascarada. Mas como farão isso? Bem teremos que descobrir. Preciso reunir um grupo para cobrir este assunto de uma forma silenciosa e sem que os militares descubram. Será difícil, mas sei exatamente o que fazer.
Não posso usar o telefone e nem a minha sala, então utilizo o MSN na esperança de que Marinho não esteja fuçando os jornalistas com quem eu vou conversar.
Primeiro converso com Bernardo e Sônia, eles vão me ajudar a escrever a matéria. Em seguida com Gilberto, o diagramador, ele fará uma falsa página 4, 5 e 6, pois eu mesmo diagramarei as quem terão as matérias do golpe. Agora preciso falar com Adão, responsável pela impressão, ele vai imprimir alguns exemplares falsos, prevenindo no caso de os militares irem à gráfica averiguar o que está saindo.
Tudo encaminhado. Agora preciso tomar alguma atitude para que as outras redações também façam essa cobertura. Mas como? Eles também devem estar sendo vigiados.
São quase 21 horas, horário em que envio algumas das manchetes para os jornais regionais e estaduais. Já sei o que fazer. Junto com as manchetes envio uma que não sairá amanhã, mas que fará os jornalistas entender que estamos cobrindo a pauta do golpe.
A IMPORTÂNCIA DO ANEL DE TUCUM PARA A SOCIEDADE
Espero que eles entendam. É claro que para um militar isso vai passar despercebido. Eles ainda ignoram a força desse anel durante os tempos de ditadura.
Tudo pronto. Sônia e Bernardo finalizaram seus textos e eu o meu. É claro que eles que tiveram que entrar em contato com o nosso amigo informante, já que minha sala era vigiada de perto. Também já diagramei o que faltava (Montei os textos na página do jornal). O próximo passo é enviar para o Adão as páginas. Ele já sabe o que fazer.
O relógio bate uma hora da manhã. Na redação só ficaram Sônia, Bernardo, os militares e eu. O celular de Souza toca. Será que eles descobriram a página? Espero aflito pela sua reação. Ele atende.
- Sargento Souza, boa noite. Como assim Senhor? (Ele me olha com malícia nos olhos). Certo senhor. Faremos isso agora mesmo. (Ao desligar o telefone ele berra ao companheiro) Marinho venha até aqui! Senhor Miguel, acabamos de receber a informação de que está tudo em ordem com o exemplar que irá para as bancas amanhã. Tenha uma boa noite. Vamos Marinho!
As suas últimas palavras quase me derrubaram, mas consegui me manter firme. Os militares saem da minha sala e então entram Sônia e Bernardo. Toca meu telefone e peço para que eles aguardem.
- Registro Alternativo, Miguel, boa noite. Não se preocupe Adão, você não vai ser responsabilizado por nada. Acalme-se homem. Eu sei com quem estamos se metendo. (Ele fala sem parar, não é por menos) Mas saiba que o que você fez foi certo. Sim, também acho melhor você sair da cidade por uns dias. Não, não se preocupe quanto a mim. Até logo e muito obrigado meu amigo.
Olho para os dois jornalistas na minha frente, eles estão apreensivos, repito quase as mesmas palavras que falei para Adão. Sônia aceita o conselho de sair da cidade, sua prioridade é a filha de três anos. Já Bernardo decidiu ficar e me ajudar no que mais eu precisasse. Não esperava outra atitude de um jovem, por isso o escolhi para me ajudar, sabia que ele se entregaria de corpo e alma a esta pauta.
Sozinho com Bernardo começo a falar sobre meus planos.
- Sente-se, vou lhe contar o que precisamos fazer.
- Você planeja algo maior que os textos então?
- Sim, pode ser tarde quando os jornais saírem, vou contatar algumas pessoas que conheço. Pessoas que participam de movimentos sociais. É preciso levar a população às ruas amanhã.
- Certo, e no que eu posso ajudar.
Paro um pouco, penso e respondo.
- Preciso que você prepare os textos que irão ao site do jornal amanhã e um e-mail que mandaremos para todos os veículos do Brasil e do mundo. Prepare um pacote completo, com tudo o que sabemos. Preciso também que prepare textos para postarmos no site.
- Mas assim que colocarmos as matérias no site os militares virão até aqui.
- Calma. Já previ isso, então só vou atualizar o site com essas informações às sete horas da manhã. Mesma hora em que irei mandar os e-mails para os veículos. Você não estará mais aqui, pois será questão de minutos para os militares virem para o jornal.
Observei nos olhos de Bernardo que ele não concordava com isso, mas que respeitaria minhas ordens. Sei o que estava fazendo, mas não havia outro jeito. Não posso envolver outras pessoas. Os militares irão procurar alguém para jogar a culpa.
Bernardo sai para produzir os textos. Começo a ligar para alguns companheiros do meu tempo de juventude, um período no qual militava na Pastoral da Juventude. Eles ficarão responsáveis por levar o povo à rua. É o único jeito de impedir o golpe. Pena que meus contatos abrangem apenas o estado de Santa Catarina, mas com certeza eles aumentarão o alerta para sua rede de amigos.
Textos prontos, e-mails e atualizações de site engatilhados. Tomo um drinque com Bernardo e o mando para a casa.
- A liberdade do povo e de expressão!
- A liberdade!
Cochilo até as seis, Na verdade, não consegui dormir direito, ficava imaginado militares entrando na redação. Aguardo até as sete. Os jornais já foram distribuídos. O telefone toca, sei o que é, mas não atendo. Antes eu encaminho os e-mails e atualizo o site. Toca novamente o telefone. Atendo.
- Parabéns meu amigo!
- Lucas?
- Sim.
- Meu telefone está grampeado, cuidado com o que falar.
- Entendi. Mas só liguei para deixá-lo tranqüilo. Agora a população já sabe de tudo. Espero que fique tudo bem com você.
Ouço a porta da redação, algumas pessoas entram no recinto.
- Lucas. Eles chegaram. Faça o que tiver que fazer, mas tome cuidado. Eles vão utilizar a força para conseguir o que querem.
Desligo o telefone na mesma hora em que os mesmos militares que vi horas antes, acompanhados por outros cinco, entram na minha sala.
- Marinho, algeme-o. (A ordem é do baixinho)
Antes mesmo de sentir o frio do metal das algemas, caio no chão desmaiado. Eles estavam nervosos. O jornal os pôs nervosos. Na verdade Marinho não me algemou, não naquela hora, ele apenas se limitou a me dar uma coronhada e me levar preso.
Mas era tarde para os militares tentarem desfazer o que havíamos feito. Jornais do mundo inteiro estavam divulgando o golpe. O povo estava na rua indignado. Por isso eles foram para frente das prefeituras e palácios dos governadores, até mesmo para o congresso, todos guiados por líderes de movimentos sociais.
Dessa maneira os militares não conseguiram tomar o poder da maior parte do território. Em alguns locais eles tiveram sucesso. Mas dias depois, após muita negociação eles devolveram os poderes que tinham tomado. Muitos civis foram presos durante este processo, mas pouco a pouco as pessoas foram sendo liberadas, alguns com marcas de tortura. Mesmo no século 21 utilizaram desta técnica para amedrontar a população. Eu também fui libertado, mas sem antes haver rodadas e mais rodadas de negociações.
Por fim, o golpe não passou de um trote, mas que deixou cicatrizes profundas em muitos brasileiros.

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