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segunda-feira, 17 de julho de 2017

Contaminados


− Por favor, retire sua senha aqui!
− Por favor, retire sua senha aqui!
A voz é de uma senhora, que grita a todos, como se aquilo fosse vital a todos no estacionamento.

− Quem é essa velha maluca?
Pergunto a um estranho parado ao meu lado.
− Você ainda não tem senha? Em que mundo você vive? Só quem tem senha pode passar.

Passar? Pergunto-me o que significa aquela afirmação e o questionamento. Será que eu deveria saber que precisava de uma senha? Será que eu havia entendido errado o comunicado? O e-mail dizia que todos deveriam se reunir no estacionamento, somente isso, não citava senhas, nem nada.
− Mas para que a senha?
− Não acredito nisso. Mas que juventude desinformada temos aqui. Doze pessoas foram diagnosticadas hoje na empresa, há um surto e o exército veio ajudar a controlar a situação. A senha é para passar pela triagem. Só assim eles vão nos liberar. Em que mundo você vive rapaz. Torça para não estar contaminado.

O exército? Contaminação? O que significa tudo isso? Eu ouvi o som de sirenes, mas... Doença?

− Me larguem. Me larguem. Socorro! Não deixem eles me levar.
Os berros são da faxineira do segundo andar, que está a cinco metros de mim. Uma senhora doce e bondosa. Não me contenho e vou para cima dos oficiais. Ando três metros, sinto uma dor latejante na nuca e depois não lembro de mais nada.

− Esse está liberado. Não sei se o capitão vai querer falar com ele, mas não precisa mais ficar aqui, pode ir para a casa.
A voz que ouço é fina e carismática. Ao abrir os olhos vejo um homem de meia idade conversando com um soldado.
−Você acordou, venha comigo.
− Mas...
− Sem conversa, vamos logo, o comandante avisou para ninguém intervir. Todos sabiam que havia o risco de ter mais contaminados. Para estes não há esperança. Vamos.

Levanto ainda zonzo e vou, meio andando, meio arrastado, pelo terceiro sargento. Para onde ele me carrega é um mistério. Mas o que mais me incomoda é o que acabara de ouvir: não há esperança para os contaminados...


---x---

Ando pouco, não mais que dez metros, entro em uma barraca e reconheço o homem postado na minha frente.
− O que você faz aqui?
− Machado pode sair.
O sujeito sai sem dizer uma palavra, então entendo que aquele é o comandante. Mas ele? Eu o conhecia e não fazia ideia que era um militar. Seu nome era Lucas, fomos amigos na infância. Na verdade, muito amigos. Éramos como irmãos. E agora isso? Estou ainda mais confuso.
− Sua cabeça deve estar doendo. Desculpe-me, mas não tive escolha. Dei ordens para atirar em qualquer pessoa que interviesse ou tentasse fugir. Derrubá-lo foi o único jeito que achei para evitar que lhe matassem.
Lucas falava apreensivo, bem próximo de mim. A postura de capitão havia sumido. O que via agora na minha frente era o mesmo garoto com quem jogava futebol na pracinha do bairro.
− Me matar? Matar qualquer pessoa? Desculpe Lucas, mas ainda não entendi nada do que está acontecendo aqui. Ouvi falar de contaminação, doença, mortos. Vi uma boa senhora ser carregada a força. É um ataque biológico, um novo vírus?

Ele me olha apreensivo. Parece não acreditar no que ouviu.
− Então Lucas, me explique porquê de tudo isso.
− O que você faz nessa empresa Miguel? Como pode não saber o que está acontecendo aqui? Houve um surto na cidade e detectamos que a origem foi na J. A. Desenvolvimentos Tecnológicos. Isolamos a empresa e estamos examinamos todos os detalhes de cada funcionário. Como você pode não estar à par dessas informações?
A história era longa de mais para explicar a ele. Basicamente, ficava fechado em uma sala com uma pequena janela para uma parede cinza. Só eu e o computador...
− Simplesmente não sabia de nada, recebi o e-mail e fui ao estacionamento. Apenas isso.
− Está de sacanagem? A empresa repassou apenas um e-mail para os funcionários? Estamos lidando com algo sério aqui! A não ser que...

Um soldado entra correndo na sala em direção a Lucas.
− Capitão.
− Sim Silva, pode falar.
− Descobriram algo importante. Alguém. É provável que ele seja do primeiro grupo de indivíduos contaminados.
− Baixaram sua ficha?
− Sim senhor. Seu nome era Reginaldo Veiga Lambha, 45 anos, Diretor de Tecnologias em Desenvolvimento, há 12 anos nessa empresa.
Ouço aquela descrição surpreso. Lucas percebe meu olhar de espanto.
− Conhece ele Miguel?
− Sim, esse é o nome do meu chefe.

---x---

− Silva, isolem o sujeito. Quero falar com ele em breve.
O soldado sai do local e fico novamente sozinho com Lucas.

− O que você sabe?
− O que eu sei? Não estou entendo Lucas?
− Qual sua ligação com Lambha? Ele era seu chefe? Próximo a você? Almoçavam juntos?
− Sim, ele era meu chefe, mas não tínhamos uma relação muito boa... Cada um na sua, sabe?
− Que alívio ouvir isso Miguel. Você terá que passar por mais algumas perguntas, mas a ordem é para liberá-lo em seguida.

Fico quase uma hora sendo interrogado por dois militares. Queriam saber até se tomava o café que meu chefe fazia. Se já tinha ido na casa dele...
Como Lucas prometera, sou liberado e posso voltar para casa...

Mas não. Tenho outro destino... A primeira “contaminação” foi um sucesso. Sim, tivemos baixas importantes. Mas eles serão lembrados. É apenas o início da revolução.


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