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segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Um monstro dentro de mim


Respiro fundo.
Mais uma vez...

Pronto, agora posso escrever sobre este monstro de mim.
Constantemente preciso utilizar todas as minhas forças para o controlar. Para mantê-lo dentro da jaula.
Mas sou fraco e com frequência o libero.

Ele me impede de escrever, algo que amo. Pois não tem paciência comigo. Ele fica me falando: “vamos, vamos, chega a este fim logo”.
Mas quero os detalhes, quero fazer ligações entre minhas ideias, deixar sugestões ocultas, mensagens sublimares.
As vezes eu o engano e só escrevo. Sem pensar. Escrevo e escrevo. E depois releio e vou tentando encaixar as coisas, melhorar minhas ideias...
Mas ele é cruel: “reler? Chega. Passa para o próximo!”
Muitas vezes não o consigo vencer. Hoje sim!
Sim! Hoje sim!

Foda-se você, monstro. Vou voltar do início e vou rever minhas ideias. Vou rescrever frases. E depois vou continuar. Sim! Eu vou!

Hoje eu continuo. Mas a jaula é frágil. Nunca tive hábito de roer a unhas. Não, ele não me ataca assim. Mas a fome... “Mais comida, mais comida. Salgado, besteira. Mais comida!” Recentemente o doce passou a agradá-lo. Hoje não!
Não, hoje não!

Foda-se você, monstro. Hoje vou me regrar, me saciar e agradecer! Isso basta...

O monstro, muitas vezes, fala por mim. Um pecado disfarçado. Sim, ele se fantasia de preguiça, mas de preguiçoso não tem nada. Ele é simplesmente, infelizmente, impaciente. “Para que estudar mais? Para que arrumar isso. Já está bom...” Essa voz... Essa voz foi a que mais me controlou. Pois ela me engana. Afinal, vem disfarçada de algo que considero bom (em alguns momentos). Mas não aqui. Aqui é apenas impaciência. Hoje não!
Não, hoje não!

Foda-se você, monstro, hoje eu vou me dedicar a esse texto e buscar colocar tudo o que gostaria de colocar nele. Até me cansar!

O monstro hoje está preso. Ou não. Quantos foram os momentos que o ouvi. Que eu o liberei. Que eu andei lado a lado com ele.
Todos os dias são assim. As vezes me sinto mais controlado. As vezes controlo mais.

Foda-se você, ansiedade! Hoje sim! Hoje não!



Dois berros

Foi impossível não ouvir o barulho.
A TV de Gabriela parou de funcionar. Está sem energia de novo. A jovem levanta calmamente do sofá e vai até a janela. Tem fumaça longe dali, na zona sul do bairro.
─ O transformador deve ter estourado outra vez.

Ela ouve um grito próximo da sua casa.
Não, foram dois berros fortes.
─ Os Alencares não sossegam nunca. Eita povo barulhento!

Gabriela vai até seu quarto e pega um livro. Tinha começado apenas o prefácio.
─ Vamos a leitura Toby.

Ela acorda com o latido de Toby. Dormiu novamente lendo o livro. Nunca vai conseguir acabar aquilo...

Mais uma explosão. Mais alguns berros.
A enfermeira começa a ficar encucada. O celular tem rede.
─ Ufa! Vamos ver o que está acontecendo.

@gabi27: amiga, tem energia aí?
@nanda26: Não. Tá td bem ctg?
@gabi27: sisim. Só levei um susto. Foram dois estouros. Achei q poderia ser algo mais sério. Tahs sabendo de algo?
@nanda26: Loka! Não tahs sabendo?
@gabi27: qq deu? Ql bafo?
@nanda26: Tem um vírus na cidade. Não passa pelo ar. Mas quem pega se transforma. Parece aqles filmes de zumbi gabi. E tão atacando nois. Daih qndo morde passa o vírus.
@gabi27: kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk. Não viaja sua loka.
@nanda26: é sério guria! Tua casa tá trancada?
@gabi27: Parou a brincadeira?
@nanda26: Acessa aí então qlqer site e vê se é mentira.

O primeiro site que Gabriela acessa confirma as informações da amiga. Ela acessa mais três e ainda não acredita.

@gabi27: Nanda. Meu deusss! É verdade.
@nanda26: Te falei sua loka! Confere se tá td trancado antes de mais nd.

A jovem enfermeira não pensa duas vezes. Tranca e confere toda a casa. Está apenas na companhia de Toby. Sua parceira está viajando.

@gabi27: Td trancado por aqui.
@gabi27: Nanda?

A ausência de resposta da amiga deixa ela preocupada. Liga várias vezes e Fernanda não atende.
Gabriela anda de um lado para o outro e não sabe o que fazer. Enfim, decide:
─ Vou até lá!
Ela e Fernanda são amigas desde a infância e têm uma história única. Quando Gabriela mais precisou, Fernanda estava lá e salvou sua vida dando uma parte de si a ela.

Gabriela se veste, olha com atenção pela janela para rua.
Tudo certo. Ela não vê ninguém.

Com as chaves em mãos, ela corre até o carro. Fernanda mora duas ruas acima. O trajeto começa tranquilo, mas quando ela cruza a esquina...
─ Socorro!!! Alguém me ajude!
O grito é de uma pessoa, em cima de uma van. Ao redor da van, várias pessoas tentando agarrá-la.
Gabriela começa a ficar com muito medo. Será que ela fez a coisa certa em sair de casa?

Apavorada e congelada, ela se distrai e algo quebra sua janela e a puxa pelo braço. É uma senhora de cabelos brancos.
Gabriela acelera o carro e continua.
Ao passar pela rua, várias pessoas vão em sua direção, sem falar nada, lentamente, como se quisessem alcança-la, mas sabiam que não precisavam correr pois ela, no fim, não teria para onde fugir.

Na rua de Fernanda está tudo mais calmo. Nenhuma alma viva. Ou morta... Ela estaciona o carro e vai em direção a porta...
Ela está aberta!
Gabriela entra devagar na casa...
─ Nanda? Nanda? Alguém?

A casa de dois pisos abriga Fernanda e seu marido, Eduardo.
Gabriela vai até segundo andar. A cena a perturba...

Fernanda está ajoelhada em cima de Eduardo, parada... Ela vê uma poça de sangue saindo do lado esquerdo do homem.
─ Nanda?

Nenhum movimento. Ela continua andando em direção à amiga. Devagar...
─ Nanda?
Nada!

Quando chega mais perto ela vê um arranhão no braço de Fernanda e uma mordida na mão de Eduardo. Há uma arma no chão.
Naquele momento, ela não poderia imaginar, mas Eduardo, próximo a loucura, havia tirado a sua própria vida.

Ela toca o ombro da amiga, que lentamente, com a pressa daqueles que tem a eternidade, vira e a olha nos olhos.
Gabriela congela... Os olhos da amiga não a enxergam. Estão mortos.
─ Nanda?

Um brilho. Fernanda abaixa a cabeça e volta a olhar Gabriela. Agora ela a enxerga. Um lapso suficiente para vence a loucura e salvar a amiga...

A cena a seguir deixa Gabriela desnorteada, agora Eduardo e Fernanda estão caídos ao chão.
Uma nova poça se forma...

Gabriela começa a berrar. Dois berros fortes...

Apavorada, ela acorda com o latido de Toby. Dormiu novamente lendo o livro. Nunca vai conseguir acabar aquilo...
─ Que pesadelo maluco Toby.

Gabriela apaga a luz e volta a dormir.
─ Bons sonhos Gabriela!

domingo, 13 de janeiro de 2019

Foda-se


Foda-se!
Esse foi o melhor conselho que eu ouvi hoje!
Vivemos temendo, adiando, sobrevivendo...
Foda-se. Amanhã podemos estar presos em uma caixa de madeira. Vamos deixar o medo impedir nossos sonhos? Nossos desejos?

Qual sua desculpa? Foda-se!
Esse é o melhor conselho que posso te dar hoje...